ASC 606 / IFRS 15 - Receita de Contratos com Clientes
O material abaixo foi extraído do Livro USGAAP: Principais Diferenças com as Normas Internacionais e Brasileiras de Contabilidade (Portuguese Edition), disponível exclusivamente na Amazon:
Desde os anos 2000, após o Memorando de Entendimento conhecido por “The Norwalk Agreement”, o IASB e o FASB possuem projetos conjuntos que objetivam obter maior comparabilidade entre os padrões internacionais e o USGAAP.
Apesar de altos e baixos nesta relação, onde projetos como os de instrumentos financeiros, que não resultaram em uma grande convergência, este esforço conjunto resulto na publicação em 2013 de uma norma conjunta sobre as receitas de contratos com os clientes, o IFRS 15 /ASC 606.
Esse projeto conjunto foi um importante marco e eliminou de forma substancial as diferenças entre USGAAP e IFRS na temática de receitas com clientes, acarretando na melhora dos seus respectivos padrões.
Para o US GAAP, a orientação substitui numerosos requisitos de reconhecimento de receitas específicas da indústria, para as IFRS foi trazido um guia mais detalhado com os princípios para reconhecimento de receita.
Esta norma é aplicável para receitas com contratos de clientes, não se aplicando a contratos de lease, instrumentos financeiros e contratos de seguros.
O princípio fundamental da orientação é garantir o reconhecimento da receita na transferência de bens ou serviços prometidos aos clientes em um montante que reflete a consideração de que a entidade espera ter o direito em troca desses bens ou serviços.
Para atingir o princípio central, cinco etapas devem ser feitas:
- 1. Identificar o contrato com o cliente
- 2. Identificar as obrigações de desempenho (promessas) no contrato
- 3. Determinar o preço da transação
- 4. Alocar o preço de transação das obrigações de desempenho no contrato
- 5. Reconhecer receita quando (ou assim que) a organização relatora satisfaz uma obrigação de desempenho.
As normas ASC 606 e IFRS 15 emitidas respectivamente pelo FASB e pelo IASB são amplamente convergidas, contudo algumas diferenças são observáveis provocadas por diferenças nos princípios gerais de cada padrão, base da aplicação da norma em cada estrutura (as estruturas conceituais não são as mesmas), e pelo fato dos FASB ter atualizações sobre temas de forma isolada.
Atividades de transporte e despacho
Em situações onde as empresas que vendem produtos por meio de serviços de transporte e despacho terceirizado devem avaliar se são o principal ou agente na hora de contabilizar os serviços.
Toda via em USGAAP o ASC 606 permite que opção de contabilizar as atividades de transporte e despacho que ocorrem após o cliente receber o controle do bem, como um custo de atendimento e não um serviço adicional (uma obrigação de desempenho separada).
ASC 606 S25-18B: Se as atividades de embarque e manuseio forem realizadas depois que um cliente obtiver o controle do bem, então a entidade pode optar por contabilizar o envio e manuseio como atividades para cumprir a promessa de transferir o bem. A entidade deve aplicar essa seleção de política contábil consistentemente a tipos semelhantes de transações. Uma entidade que fizer essa seleção não avaliará se as atividades de expedição e manuseio são prometidas aos seus clientes. Se a receita for reconhecida para o bem relacionado antes que ocorram as atividades de remessa e manuseio, os custos relacionados dessas atividades de remessa e manuseio devem ser acumulados.
Tal opção não é concedida no IFRS 15 e poderá acarretar em diferenças entre os padrões.
.
Recebimento provável
Em ambos os padrões um dos critérios para que o reconhecimento de receita seja efetuado é que seja provável que a entidade receberá a contraprestação à qual terá direito em troca dos bens ou serviços que serão transferidos ao cliente. Ao avaliar se a possibilidade de recebimento do valor da contraprestação é provável, a entidade deve considerar apenas a capacidade e a intenção do cliente de pagar esse valor da contraprestação quando devido.
Apesar da redação em ambos os padrões serem as mesmas, existe uma diferença em na definição do que é provável entre as duas estruturas. Em IFRS/BRGAAP provável é um evento que possui mais probabilidade de ocorrer do que não, um nível de probabilidade superior a 50%. Em USGAAP provável é conceituado como um evento que é provável de ocorrer, um nível de probabilidade geralmente superior a 70%.
Diferença similar existe para reconhecimento das provisões, conforme abordado anteriormente e neste sentido existem situações nas quais um recebimento poderá ser considerado como “provável” de acordo com o IFRS, ou seja, a receita poderia ser reconhecida, contudo ainda não atenderia os preceitos do USGAAP.
Licenças de softwares
As licenças de propriedade intelectual podem incluir, mas não estão limitadas a licenças de qualquer um dos seguintes itens:
(a) software e tecnologia;
(b) filmes, música e outras formas de mídia e entretenimento;
(c) franquias; e
(d) patentes, marcas registradas e direitos autorais.
Se a promessa de conceder licença for distinta dos outros bens ou serviços prometidos no contrato e, portanto, a promessa de conceder a licença for obrigação de performance separada, a entidade deve determinar se a licença é transferida ao cliente em momento específico no tempo ou ao longo do tempo. Ao determinar isso, a entidade deve considerar se a natureza da promessa da entidade ao conceder a licença ao cliente é fornecer ao cliente:
o Direito de acesso à propriedade intelectual da entidade que exista durante todo o período de licença – ou seja a receita é reconhecida ao longo da vigência da licença; ou
o Direito de utilizar a propriedade intelectual da entidade que exista em momento específico no tempo em que a licença é concedida – ou seja, a receita é reconhecida no momento da concessão da licença.
Em IFRS a natureza da promessa da entidade de conceder licença é um compromisso de fornecer direito de acesso à propriedade intelectual da entidade se todos os seguintes critérios forem atendidos:
o O contrato exige, ou o cliente razoavelmente espera, que a entidade realizará atividades que afetam significativamente a propriedade intelectual sobre a qual o cliente tem direitos
o Os direitos concedidos pela licença expõem diretamente o cliente a quaisquer efeitos positivos ou negativos das atividades da entidade, identificadas no item; e
o Essas atividades não resultam na transferência de bem ou de serviço ao cliente, quando elas ocorrem
Já em USGAAP as licenças de propriedade intelectual devem ser classificadas como funcionais ou simbólicas para avaliar se uma licença é um direito de acesso ou um direito de uso de propriedade intelectual:
* a. Propriedade intelectual funcional. Propriedade intelectual que possui uma funcionalidade autônoma significativa (por exemplo, a capacidade de processar uma transação, executar uma função ou tarefa ou ser reproduzida ou veiculada). A propriedade intelectual funcional deriva uma parte substancial de sua utilidade (isto é, sua capacidade de fornecer benefício ou valor) a partir de sua funcionalidade independente significativa.
* b. Propriedade intelectual simbólica. Propriedade intelectual que não é propriedade intelectual funcional (ou seja, propriedade intelectual que não possui funcionalidade autônoma significativa). Como a propriedade intelectual simbólica não possui uma funcionalidade autônoma significativa, praticamente toda a utilidade da propriedade intelectual simbólica é derivada de sua associação com as atividades passadas ou contínuas da entidade, incluindo suas atividades comerciais comuns.
A capacidade dos clientes de obter benefícios de uma licença para propriedade intelectual simbólica depende de a entidade continuar a apoiar ou manter a propriedade intelectual. Portanto, uma licença para a propriedade intelectual simbólica concede ao cliente o direito de acessar a propriedade intelectual da entidade, que é satisfeita ao longo do tempo como a entidade cumpre sua promessa para ambos:
a. Conceder o direito do cliente de usar e se beneficiar da propriedade intelectual da entidade *
b. Apoiar ou manter a propriedade intelectual. Uma entidade geralmente apoia ou mantém a propriedade intelectual simbólica continuando a empreender aquelas atividades das quais a utilidade da propriedade intelectual é derivada e / ou abstendo-se de atividades ou outras ações que degradariam significativamente a utilidade da propriedade intelectual.
Uma licença para propriedade intelectual funcional concede o direito de usar a propriedade intelectual da entidade conforme ela existe no momento em que a licença é concedida, a menos que os dois critérios a seguir sejam atendidos:
* a. Espera-se que a funcionalidade da propriedade intelectual para a qual o cliente tenha direitos mude substancialmente durante o período da licença como resultado de atividades da entidade que não transferem um bem ou serviço prometido para o cliente. Bens ou serviços adicionais prometidos (por exemplo, direitos de atualização de propriedade intelectual ou direitos de uso ou acesso a propriedade intelectual adicional) não são considerados na avaliação deste critério. *
b. O cliente é contratualmente ou praticamente obrigado a usar a propriedade intelectual atualizada resultante das atividades no critério (a). Se ambos os critérios forem atendidos, a licença concede o direito de acessar a propriedade intelectual da entidade.
Quando classificadas como funcionais o reconhecimento se dará no momento da cessão da licença. Quando for considerada simbólica o reconhecimento ocorrera na proporção do acesso a propriedade intelectual da entidade.
Em IFRS a natureza de uma licença é determinada exclusivamente com base no fato de as atividades da entidade alterarem significativamente a propriedade intelectual à qual o cliente tem direitos.
Apesar de diferentes abordagens, é esperado que resultado da aplicação dos dois padrões produzam resultados semelhantes na maioria dos casos.
Licenças de renovação
No ASC 606 uma receita não pode ser reconhecida se ambas as condições forem satisfeitas:
* a. Uma entidade fornece (ou disponibiliza de outra forma) uma cópia da propriedade intelectual ao cliente.
* b. O início do período durante o qual o cliente pode utilizar e beneficiar do seu direito de acesso ou do seu direito de utilizar a propriedade intelectual. Ou seja, uma entidade não reconheceria a receita antes do início do período da licença, mesmo que a entidade forneça (ou disponibilize) uma cópia da propriedade intelectual antes do início do período da licença ou o cliente tenha uma cópia da propriedade intelectual de outra transação. Por exemplo, uma entidade reconheceria a receita de uma renovação de licença não antes do início do período de renovação.
Dessa forma em USGAAP receita relacionada à renovação de uma licença de propriedade intelectual não podem ser reconhecida antes do início de um período de renovação.
O IFRS 15 não inclui tais requisitos, neste caso uma entidade e um cliente celebram um contrato para renovar (ou estender o período de) uma licença existente, a entidade precisa avaliar se a renovação ou extensão deve ser tratada como uma nova licença ou como uma modificação do contrato existente.
Reconhecimento de receita de construtora – BRGAAP x IFRS e USGAAP
Apesar da norma de receita IFRS 15 ter sido adotada no Brasil por meio da publicação do CPC 47, existe uma diferença entre os padrões Brasileiros com IFRS e USGAAP, por conta do Ofício-Circular CVM/SNC/SEP 02/18, que permitiu que o reconhecimento de receita de unidade imobiliária não concluída nas companhias abertas brasileiras do setor de incorporação imobiliária, atendidos determinados critérios, poderiam a serem reconhecidas pelo Percentual of Completion - POC.
Fazendo interpretação isolada do IFRS 15 ou ASC 606, as conclusões sobre o reconhecimento das receitas das unidades imobiliárias geralmente levam a conclusão de reconhecimento da receita em tempo específico do tempo, no caso da entrega das chaves da unidade. Todavia o entendimento da CVM é que seria possível aplicar o IFRS 15 e concluir que o reconhecimento seja ao longo o contrato.
O Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) realizou uma consulta sobre esse tema ao comitê de interpretações do IFRS (Ifric), cuja resposta foi no sentido contrário, de que, nas condições descritas na consulta, a receita deveria ser reconhecida apenas na entrega das chaves.
Situação essa gerou a inclusão de parágrafos de ênfase dos auditores sobre as demonstrações financeiras consolidadas elaboradas de acordo com as práticas contábeis adotadas no Brasil e com as normas internacionais de relatórios financeiros (IFRS, enfatizando que a determinação da política contábil adotada para o reconhecimento de receita nos contratos de compra e venda de unidade imobiliária não concluída seguiram o entendimento manifestado pela CVM no Ofício circular /CVM/SNC/SEP n. 02/2018 sobre a aplicação da NBC TG 47 (IFRS 15).
Nesse cenário é possível existirem diferentes interpreta cações sobre as aplicações da norma CPC 47 no contexto brasileiro, em comparação com as normas